Mensagem de Alerta – Cruzando os Pirineus

Caros amigos Marco no caminho de santiagodo Caminho de Santiago de Compostela,

Gostaria de deixar meu relato sobre a aventura que passei ao cruzar os Pirineus no dia 06/04/2012.

Cheguei em Sant Jean (França) tarde, lá pelas 12:30 hs dia 6, vindo de Pamplona de carona com amigos brasileiros devido ao cancelamento de nosso voo Madrid-Pamplona no dia anterior (Ibéria).
Fazia um dia lindo, algumas nuvens, pouco frio – coisa de 10 graus positivos – tudo muito bem, muito sol. Pensei: perfeito!

Carimbei minha credencial e conversei com a menina do quiosque de informações, passei em um mini-mercado, me abasteci e comecei o caminho.
Era o primeiro dia de caminho, o que poderia dar errado? Notem que em momento algum alguém me informou que seria loucura atravessar os Pirineus aquela hora. Sai de Sant Jean lá pelas 13:30 hs com dia bom e temperatura aceitável, comecei sem problema algum, fui avançando, avançando…. passei pelo último abrigo lá pelas 15:00 hs antes do grande “nada”.

Haviam várias pessoas nas mesas tomando café – eu os cumprimentei, mas ninguém se manifestou quanto ao horário de minha passagem.

Muito bem vamos que vamos. Cenário de cinema, uma paisagem de tirar o fôlego quando, ao fundo, visualizei uma bruma muito espessa. Não dei bola pois a minha frente estava sol e tempo bom. Continuei caminhando e de repente a tal bruma já estava bem em cima de mim. Começou a chover muito forte, molhou tudo, nunca vi! A chuva vinha por cima, por baixo, por todo lado e a temperatura despencou de 10 graus positivos para zero grau, na hora, e veio o granizo.

Comecei a me preocupar, – mas nada é tão ruim que não possa piorar.  Sem aviso a temperatura caiu ainda mais rápido quando o granizo parou, coisa de  5 graus.
Pensei: que bruma (FDP), o bicho vai pegar. Continuei o caminho com muita preocupação pois estava todo molhado e fazia um frio de rachar, mais uma vez – nada é tão ruim que não possa piorar – na saída do asfalto para pegar a trilha de cabra que leva à Roncesvalles (Espanha) entrou uma nevasca com ventos fortíssimos vinda não sei donde.
O meu poncho que não serviu para me abrigar da chuva agora se transformara em uma vela, me arremessando de um lado para o outro. O frio estabilizou em torno de 2 ou 3 graus, nada agradável.

Já era tarde, 16:00 hs, estava sem saída. Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Resolvi continuar e quando você pensa que -“nada é tão ruim que não possa piorar, de novo…“-
Cadê a trilha de cabra que estava aqui?! Simplesmente a trilha sumiu, a neve cobriu tudo. Estava lindo mais traiçoeiramente perigoso. Continuei avançando tropeçando e caindo em buracos. Ficou bem difícil até que novamente – “nada é tão ruim que não possa piorar, não aguento mais!”.

Fiquei desorientado. Nova mudança de cenário: a neve parou junto com o vento,  e consegui arrumar o poncho, mas um silêncio se abateu e novamente a tal bruma perversa me envolveu, mais agora aquela coisa congelava tudo que tocava.
Olhei no termómetro e não acreditei. 15 graus , caraca, gelou tudo! , o tempo parou.

Estava tudo tão branco que chegava a ofuscar a visão. Fiquei estático, parado ali sem saber o que fazer. Fui tomar uma água, mas havia congelado e comecei a sentir sono. Meu Deus! já vi este filme!  Me lembrei do chocolate, mordi – quase se foi um dente -, estava congelado.
A esta altura, não sentia os pés, as pernas, as mãos, não sentia nada! Minha vida passava como um filme na frente dos meus olhos. Fiquei quase 30 minutos parado ali, congelando!  Milagrosamente, novamente mudança de cenário para a melhor. A bruma se foi, deixando uma camada de gelo sobre mim.
Começou a nevar forte e, incrivelmente, a neve era quente! Coisa entre 2 e 3 graus, nossa! A neve me aqueceu, e junto com aquele pedaço de chocolate senti ânimo para continuar.
Incrivelmente a temperatura havia variado a meu favor e me lembrei de meu grande amigo José Roberto Dodl que me incentivou a fazer o caminho e sempre foi um grande exemplo p mim.
Dizia ele: – Marquinho lembra do treino! Pois é! Lembrei, e quase como uma sombra comecei a me deslocar daquele inferno gelado.  Eram quase 19:00 hs – um passo….agora outro…não pensa…. anda… anda… você consegue!

Assim fui saindo, caindo várias vezes, meio trôpego. O cenário ia mudando, as condições já estavam melhores, mas eu não estava fora de perigo. Passei por uma homenagem à uma pessoa que havia falecido ali e me deu arrepio! Várias pessoas já faleceram nos Pirineus, aquilo me assustou. Comecei a sentir os primeiros sinais de hipotermia. Eu não podia parar! Continuei caminhando, e quando escureceu, cadê a lanterna! Ufa! A lanterninha de cabeça salvou o dia. Molhado até os ossos, semi congelado, com queimaduras nos lábios, rosto e mãos, consegui chegar ao albergue em Roscenvalles depois das 21:30 hs.
Era um fantasma me arrastando. Quando a hospedeira me viu tomou um susto. Mio Dios! Me mandou para a ducha quente na hora. Felizmente, minha condição física ajudou muito, somada a fortes treinos e determinação consegui vencer este desafio, mas temi pela minha vida!

Os Pirineus não são brincadeira, trata-se de uma cordilheira extremamente traiçoeira e imprevisível, mudando suas condições num piscar de olhos. A temperatura pode variar de 10 graus a 15 graus em minutos!
Deixo esse relato para os amigos e irmãos que desejam se aventurar pelos Pirineus. Todo cuidado é pouco. Tomem cuidado!
EU TIVE MUITA SORTE DE SAIR VIVO! Digo de coração que, naquele inferno, o caminho me mostrou a primeira lição: eu não sabia que era tão forte! – ou melhor, havia me esquecido!.

Um grande abraço a todos.

Marquinho ([email protected]) Face: marco torreão